29 de março de 2023

Youtube: o sharenting e o direito a privacidade

Por Maria Fernanda Cassella

Em 2012, um dos primeiros vídeos brasileiros a se tornarem virais foi publicado na plataforma YouTube, alcançando rapidamente milhões de visualizações e milhares de compartilhamentos. Tratava-se de uma paródia musical feita por Nissim Ourfali, que, na época, era um garoto de 13 anos, e teve seu vídeo divulgado na plataforma por seu pai, na intenção de disponibilizá-lo apenas para os familiares convidados para o Bar Mitzvah do menino. O que seu pai não sabia era que qualquer usuário do Youtube poderia acessar o vídeo e que ele viria a se tornar um grande caso de “viralização”.

Ocorre que, após perceberem o erro cometido em tornar o vídeo público, os pais de Nissim cobraram na justiça que o Google removesse qualquer publicação que usasse a imagem ou voz de Nissim da plataforma, a fim de que pudessem interromper a utilização da sua imagem e voz por terceiros. 

youtube

Foto de NordWood Themes na Unsplash

Diante disso, em 2014, a Justiça de São Paulo decidiu que o Google não era obrigado a retirar os vídeos do ar, tendo o juiz julgado impossível para o Google remover todas as páginas vinculadas às suas plataformas que tivessem utilizado a imagem, a voz ou o nome de Nissim, sendo elas especialmente páginas vinculadas ao Orkut e do Youtube. 

No entanto, a família recorreu à decisão e, em 2016, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela obrigação do Google em retirar as publicações. Contudo, o Google, em que pese ter acatado a decisão, deixou claro que, devido ao tempo e a amplitude da exposição, seria quase impossível impedir que o vídeo não fosse republicado posteriormente por usuários. Ora, a fala do Google de fato mostrou-se verdadeira visto que, atualmente, é possível novamente encontrar no Youtube até mesmo o vídeo original que viralizou.

Este caso é um grande exemplo dos novos desafios que o mundo virtual trouxe, como a questão da regulação da internet e a dificuldade em proteger os direitos de personalidade. 

Nesse contexto, o ponto mais evidente a se destacar é a impossibilidade técnica de retirar completamente vídeos da internet, o que mostra que mesmo com leis e regulamentações relacionadas ao direito à privacidade e à regulação da internet, o meio virtual é complexo e o próprio direito digital terá que estar sempre em evolução, buscando entender as especificidades das relações online e adaptando-se a elas.

Temas relacionados ao direito digital ainda estão em constante debate e construção, e a regulação da internet é um dos mais polêmicos. Se por um lado é imprescindível a proteção da privacidade e a segurança dos usuários, por outro a internet tem natureza global, não reconhecendo fronteiras e tendo leis e regulamentações distintas de país para país. 

Além disso, a internet é um espaço livre para o fluxo de informações e ideias, sendo assim, a regulamentação das redes tem como dever proteger essa liberdade, ao mesmo tempo em que combate a disseminação de discursos de ódio e outros diversos crimes cibernéticos.

O caso Nissim também chama a atenção para um fenômeno aparentemente inofensivo, mas que pode ter impactos profundos: o sharenting. Este termo se refere à prática de pais compartilharem informações e fotos de seus filhos nas redes, sem o consentimento dos mesmos.  

Apesar de que, na situação do Nissim Ourfali, seus pais não tinham a intenção de compartilhar o vídeo musical publicamente, é imprescindível ter muita cautela ao expor crianças e adolescentes na internet, pois a postagem de informações e fotos dos filhos pode ter consequências para além do esperado ou imaginado pelos pais, como o uso dessas fotos para fins inadequados e criminosos, ou, até mesmo, pode vir a ter impacto no próprio desenvolvimento emocional das crianças, pois essas imagens podem ser utilizadas para assediá-las, intimidá-las ou envergonhá-las. 

Em suma, o caso envolvendo Nissim Ourfali abre portas para diversas discussões que envolvem a privacidade, sendo um grande exemplo do impacto que postagens, talvez aparentemente inofensivas, têm na vida de diversas pessoas. É  importante frisar que esse é apenas um exemplo do quão indispensável são as discussões acerca do direito e da proteção no meio cibernético.